quarta-feira, 27 de abril de 2016

Fotografando com DSLR sob a poluição luminosa

Quatro anos atrás, mudei para o Águas Claras, bairro (ou cidade satélite, como chamam por aqui) densamente povoado de Brasília, marcado pela presença de centenas de arranha-céus. Parecia que no novo apartamento eu estaria limitado à fotografia de planetas, do Sol e da Lua. Mas a aquisição de filtros de banda estreita e uma CCD monocromática logo mostraram que inúmeros objetos de céu profundo, em especial as Nebulosas de Emissão, estariam a meu alcance. Tanto que acabei vendendo meu telescópio solar com filtro H-alpha, devido à falta de tempo para este tipo de astrofotografia.
 
Mas o que acontece quando trocamos os filtros de banda estreita por um Orion SkyGlow, comprado quase vinte anos atrás, nos primórdios da minha vida de astrônomo amador, e a CCD por uma DSLR modificada para astronomia? Bem, obviamente não podemos esperar os mesmos resultados espetaculares que se conseguiria com este equipamento no céu de uma fazenda em Alto Paraíso, ainda assim, as brincadeiras dos últimos fins de semana, quando o céu abriu em Brasília, mostram que é possível fazer mais do que geralmente se espera.

Eu quis fotografar com DSLR, principalmente devido ao belo triângulo que podemos ver na constelação de Escorpião, com Marte, já bem brilhante, bastante próximo de Saturno e da Estrela Antares. Como meu objetivo era somente pegar estes três objetos mais brilhantes, coloquei a lente de 50mm na DSLR sobre o Ioptron Skytracker, para uma imagem de grande campo. Fiz frames com 60 segundos de exposição e ISO800, com a lente fechada em F4. O resultado você vê abaixo, com Marte destacado no centro da imagem, Saturno à direita e Antares no alto. Nestes light frames, nenhum detalhe mais evidente da Via Láctea aparece na composição.

Os frames individuais dão a impressão de que só as estrelas mais brilhantes aparecerão na imagem final.


Ainda assim, continuei fotografando. Fiz 81 frames da mesma imagem, mais duas dezenas de dark frames e joguei no Deep Sky Stacker. O resultado, pra mim, foi uma grande surpresa. Abaixo vemos a imagem após ser integrada no DSS e receber os ajustes no próprio software, na tela pós-processamento. A imagem foi girada 180 graus, para um enquadramento mais convencional. 


Após integração de 81 frames no Deep Sky Stacker, a região de Rho-Ophiuchi torna-se visível.

Nesta nova imagem, já podemos ver enorme evolução em relação a somente um frame. Percebemos como o empilhamento nos permite ver detalhes da região de Rho-ophiuchi. A foto mostra o poder da técnica de integração e o benefício que os desenvolvedores destes softwares promovem à astrofotografia. Para finalizar, fiz alguns ajustes na imagem no Fitswork e no Adobe PhotoShop. O resultado, você vê na próxima imagem:

Ajustes de cores e contraste tornam a imagem mais viva.

O resultado final, mesmo que muito abaixo do que eu conseguiria num céu escuro, me surpreendeu pelas condições de captura e pelo próprio light frame inicial.

É importante mencionar que eu não fiz flatframes. Tenho usado este recurso mais quando estou fotografando com CCDs, pois manchas no sensor quase não aparecem na DSLR e acho que a vinhetagem e o gradiente tem sido muito bem removida pelos comandos "normalizar nebulosas automaticamente" e "remover gradiente automaticamente", do software Fitswork, na barra de títulos, em "Ajustes - Harmonização". Esses comandos apresentam excelentes resultados, bastando um clique na opção.

Numa outra noite, também aproveitei para fazer a primeira imagem de céu profundo com a lente Canon 200mm F2.8 EF USMII, adquirida recentemente. Originalmente, a ideia era estrear a lente somente nos primeiros encontros do CASB, em fazendas próximas a Brasília, mas eu simplesmente não aguentei esperar. Apontei para a área mais óbvia do céu nesta época do ano, com a Nebulosa da Lagoa (M8) e da Trífida (M20) e fiz 65 frames de 30 segundos em ISO 1600, com esta lente também em F4. Foram pouco mais de meia hora de tempo total de exposição, mas um resultado que me deixou muito feliz e cheio de expectativas para os encontros do CASB, a partir de junho.

Imagem feita com lente de Canon 200mm EF USM 2.8




sexta-feira, 15 de abril de 2016

Está aberta a temporada de caça aos planetas!

Quem me acompanha desde o início deste blog sabe que planetas nunca foram lá a minha especialidade. Durante muitos anos, as minhas fotos planetárias foram, digamos, primárias. Mas desde o ano retrasado eu tenho finalmente um refletor de 200mm e uma câmera de vídeo planetária. Logo, talvez estivesse passando da hora de trazer umas boas imagens planetárias para esta página.
Estamos num momento especial para astrofotografia planetária. Neste momento, os três melhores planetas para fotografia estão visíveis no céu, durante grande parte da noite. Entre eles, destaque para Marte, que, próximo do oposição, está ficando visivelmente maior a cada dia.

Todas as imagens abaixo foram capturadas na mesma noite, da varanda de meu apartamento, em Brasília, com um telescópio refletor newtoniano Orion UK VX 8 F4.5, câmera Expanse mono, extensor focal 5x e filtros RGB, sobre uma montagem HEQ5.


Júpiter - sem a Grande Mancha Vermelha ou algum Lua Galileana aparecendo, o planeta perde um pouco de seu charme, ainda assim é uma visão espetacular.

A noite começa com Júpiter, que já está um pouco alto no céu quando acaba de escurecer. Pelo menos do meu apartamento, está geralmente fotografável no momento de melhor seeing. Como meu apartamento é apontado para o leste, depois da meia-noite fica muito difícil fazer um bom registro do gigante gasoso. Então preciso montar o equipamento cedo.



Marte - de longe o meu melhor registro do planeta vermelho. Infelizmente o seeing ruim fez com que o melhor resultado fosse atingido pela integração de somente 10% dos doze mil frames capturados.
 Marte aparece algumas horas depois de Júpiter. Está fotografável perto de uma da manhã. O Planeta Vermelho próximo da brilhante e também vermelha estrela Antares. Atualmente, está com cerca de 13 segundos de arco de diâmetro aparente. Deve aumentar para 18 segundos no fim de maio, seu tamanho máximo nesta oposição. Será bem menos do que os espetaculares 24 segundos da próxima oposição, em 2018, mas já é bem melhor do que os 15 segundos de 2016. Para efeito de comparação, o diâmetro aparente de Júpiter varia de 30 a 50 segundos de arco.

Saturno, fotografado com câmera monocromática. Acho que errei nas cores e, infelizmente, o seeing também estava ruim na hora da captura.
Saturno aparece quase junto com Marte, poucos graus abaixo do planeta vermelho. Essa proximidade faz que, caso exista limitações de sua visão para o céu, como ocorre em meu apartamento, você tenha que dividir o tempo de captura entre os dois planetas.
A fotografia planetária tem sido uma experiência das mais interessantes para mim. Ela tem algumas dificuldades em relação a céu profundo. É muito mais difícil apontar para um objeto quando a distância focal usada é de mais de quatro metros e o sensor da câmera ainda é muito menor. Também acho mais difícil para focalizar. Por outro lado, a montagem não precisa estar perfeitamente alinhada com o polo, não há necessidade de autoguiagem e você está sempre fazendo alguma coisa, nem que apenas corrigindo para o planeta não sair do limitado campo de visão da câmera planetária, que deve ser reduzido ao máximo para garantir mais frames por segundo.
Eu estou louco para novas imagens de céu profundo, mas com esse desfile de planetas no céu, não dá pra ignorar que esta é uma época especial para estes objetos.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quais são os limites do processamento na Astrofotografia?

Eis aqui um tema polêmico, sobre o qual há muito tempo eu gostaria de ter escrito. Quais são os limites no processamento de uma imagem astrofotográfica? O que é fraude, exagero ou puramente mal gosto? Qual a fronteira entre o simples ajuste e o desenho?

Trata-se provavelmente do tema mais delicado da Astrofotografia. Com as palavras erradas, corro o risco de ofender astrofotógrafos honestos e que muito contribuem com o disseminação da astrofotografia amadora no Brasil. Em post anteriores, já mencionei atitudes que são "consagradas" como sendo fraudes: juntar sua imagem com de outros astrofotógrafos sem o devido crédito, ou usar de montagem para capturas que não ocorreram, citando o caso da malfadada foto do trânsito da ISS sobre Saturno. Esta "captura", pra quem não leu o post, foi Foto do Dia no site da Nasa, APOD, sendo retirada dias depois, após muito barulho da comunidade astrofotográfica. Mas outras atitudes ainda carregam bastante polêmica, com alguns astrofotógrafos dizendo que são aceitáveis, enquanto outros acham que não são corretas.

Eu vou discorrer neste post sobre técnicas que levantam discussões e o que eu acho de cada uma delas. Que fique claro, trata-se de uma visão puramente pessoal, algumas vezes justificada somente por questão de gosto. Sinta-se livre para questionar minhas opiniões, pois elas estão abertas a mudanças.
- Uso de máscaras de seleção: Selecionar áreas separadas de registros é algo que desagrada astrofotógrafos mais puritanos. Eu, sinceramente acho que não há nada errado em se fazer isso se você não altera as características dos objetos. Acredito que grande parte das melhores astrofotografias foram processadas utilizando-se máscaras de seleção. Em muitos lugares do céu, temos objetos bastante brilhantes envoltos por áreas ou objetos muito mais escuros. As câmeras atuais, embora consigam tempos de exposição que permitem imagens muito mais claras que a visão humana, ainda perdem muito quando falamos de range dinâmico. Objetos mais claros tendem a ficar muito mais brilhantes em relação a objetos mais escuros em fotografias do que ao olho humano. Então, não vejo nada de errado ao se utilizar máscaras para clarear áreas mais escuras das fotos. Você está basicamente fazendo uma correção no range dinâmico de sua câmera.
A coisa muda de figura quando você altera características básicas de objetos: Este é um erro que acontece principalmente quando se usa máscaras de seleção sem o devido critério. Você seleciona duas galáxias e no fim deixa a mais brilhante mais escura do que a menos brilhante, distorcendo totalmente as características dos objetos. Um erro que tenho visto astrofotógrafos cometerem é distorcer nebulosas escuras, que são cinzas, transformando-as em nebulosas de emissão, pintando as nebulosas de vermelho para destacar melhor na foto. Isso revela, além de desconhecimento sobre o objeto fotografado, uma vontade exagerada de gerar contraste ou beleza na imagem. Evite máscaras de seleção para alterar cores dos objetos em separado na imagem. Além de ultrapassar o limite entre tratamento e puro desenho, você corre o risco de descaracterizar objetos.

- Composição de imagens: composições geralmente são usadas nos registros de acontecimentos celestes, como conjunções, trânsitos ou ocultações e também fotos de objetos celestes ao fundo de paisagens terrestres. Quando você tem dois objetos com brilho muito diferente um do outro, é normal que o astrofotógrafo faça duas imagens com tempos de exposição diferentes para combinar numa única foto. Essa técnica é consagrada e inclusive tem o nome de HDR (High Dynamic Range). Através desta combinação, você pode criar imagens que aparentemente possuem um range dinâmico muito maior do que a câmera utilizada na captura, com resultados superiores ao que se consegue com o uso de máscaras de seleção. Entretanto, ao fazer imagens em HDR, tome muito cuidado para não forçar tanto até deixar o objeto menos brilhante mais claro do que o objeto escuro.
O problema ocorre quando, devido a certos astros movimentarem-se muito rápido, ou a movimentação da abóboda celeste em relação a uma paisagem terrestre, astrofotógrafos podem querer selecionar um dos objetos na foto mais clara e colocar manualmente na mesma posição em que está na foto mais escura. Isso me desagrada bastante e acho que não dá pra chamar de fraude, mas podemos dizer que é mais um caso em que astrofotógrafo ultrapassou a fronteira entre foto e desenho. Não são poucos os astrofotógrafos que consideram isso puramente adulteração, então evite sempre que puder. Já se o autor da imagem resolver, através das ferramenta "seleção" e "mover", fazer com que os objetos parecem mais próximos do que realmente estavam em qualquer um dos registros originais, vai ser difícil encontrar alguém disposto a defende-lo. Pior ainda se em nenhum momento do evento os objetos ficaram tão próximos como na imagem.
É importante ressaltar que em quase toda astrofoto, seja de céu profundo ou planetária, realiza-se a composição de vários frames para a criação de uma imagem final. No caso da astrofotografia de céu profundo, muitas capturas podem ter seus frames capturados por dias ou mesmo anos de diferença. Isso é possível por que a maioria destes objetos não apresenta quaisquer mudanças com o passar de meses ou mesmo anos. Este processo chama-se integração de frames e trata-se de algo mais do que aceitável e é praticado por 99% dos astrofotógrafos. Aqui você está coletando dados, sem fazer alterações nos registros antes de integrá-los num software com está função, como o Deep SkyStacker ou Pixinsight. .
- Colocar coisas que não existem nas imagens: enfeitar a sua foto com algo que não estava nela, começa com o mal gosto, com o uso de spikes artificiais em fotos que não tinham estes artefatos naturalmente, e termina na fraude, como você colocar uma avião na frente de uma foto do Sol, sendo que foram capturados em registros diferentes. O Apod do falso trânsito da ISS sobre Saturno está nesta categoria.

Quanto ao Spikes, eles são uma interferência nas astrofotos, frutos de um obstáculo a chegada da luz no espelho primário, devido ao suporte do espelho secundário em refletores. Alguns astrofotógrafos usam softwares que criam spikes artificialmente nas estrelas mais brilhantes das imagens. Eu acho que isso mata qualquer imagem. Alguns astrofotógrafos colocam barbantes ou outros tipos de cordões à frente do telescópio para criar spikes mais "naturalmente". Para mim, não importa como o spike seja produzido, não vejo razão em poluir a seu registro com esse tipo de artefato. É algo que tira grande parte do valor da imagem, deixando ela com aspecto de cartão de Natal. O universo é belo demais e um grande astrofotógrafo não precisa introduzir enfeites em sua imagem para agradar ao público.

Acho que não preciso dizer que o uso de recursos como a ferramenta "pincel" deve ser sempre evitado. Se você esta fazendo ajustes em sua imagem com qualquer ferramenta de desenho, pare agora. O que você esta fazendo invalida a sua astrofoto e, se omitido e depois descoberto, vai destruir o crédito de suas imagens. Infelizmente, não é fácil descobrir quando isso é feito. Existem astrofotógrafos respeitados dentro da comunidade astrofotográfica que, por mais que sejam reconhecidos, também carregam uma "aura" de usarem recursos de desenho em suas fotos. É muito complicado julgar este tipo de coisa enquanto não houver provas concretas. Eu mesmo acredito que em algum momento já suspeitaram das minhas fotos, embora considere um enorme elogio quando alguém questiona a autenticidade de meu trabalho, dizendo que as minhas fotos não são possíveis. 
- Uso de dados de outros astrofotógrafos em suas imagens: Não é raro que astrofotógrafos juntem suas imagens com de outros astrofotógrafos para criar uma imagem ainda melhor. Sou da teoria de que esta técnica é válida somente se o resultado final é uma foto superior às duas imagens utilizadas na composição. Na imagem abaixo eu utilizei uma captura em preto e branco da faixa de H-Alpha do astrofotógrafo Rogério Marcon, com a devida autorização do astrofotógrafo, diga-se de passagem. Ele tinha um espetacular luminance capturado com um telescópio de 18 polegadas e eu tinha uma humilde captura em banda estreita (Hubble Palette), feita com uma lente de 135mm. Joguei as cores do meu registro na imagem do Rogério e o resultado foi algo que nenhuma das imagens originais mostrava, a nebulosa com detalhes e cores que destacam as regiões com mais oxigênio (em azul) ou hidrogênio (em laranja).
Imagem capturada por Rogério Marcon, que recebeu cores de um registro feito por mim.
 Por fim, acredito que nenhuma astrofoto é desonesta se você colocou todas as informações sobre a captura no registro. Se você usou dados de um outro astrofotógrafo para fazer uma imagem, informe na descrição todos os dados da fonte que usou, incluindo nome do autor, equipamento e detalhes da captura. Se usou duas fotos diferentes para o registro de uma conjunção, informe caso a imagem tenha sido manipulada para simular o acontecimento real. Se pintou nebulosas de cores diferentes, explique que o fez com o objetivo de realçar aquele objeto. O ideal é que estas informações estejam presentes no arquivo da imagem e não somente na descrição do post, pois quando são partilhadas em outros sites ou perfis, essa informação pode se perder.

Existem registros que são simplesmente considerados "overprocced". São fotos que foram tratadas sem qualquer tipo de forçação de barra, mas que de tantos filtros e ajustes de contraste podem acabar com o aspecto de pintura a óleo. Ou seja, você não desenhou na foto, mas deixou ela com cara de desenho. Estas fotos, em especial as mais coloridas, podem até se tornar muito populares, principalmente entre o público leigo. Mas podem desagradar olhos mais experientes. Todo astrofotógrafo tem que entender que, em alguma hora é melhor parar. Em algum momento, a aplicação de filtros e ajustes começa a piorar a imagem. Saber onde está este ponto não é fácil.

Um tipo de filtro digital que mais tem a capacidade de deixar fotos com cara de pintura são os de redução de ruído, quando aplicados em excesso. O astrofotógrafo manda ver no contraste e na saturação (realce de cores), mas assusta-se com o ruído que isso gera em sua imagem. Para compensar, despeja filtros de redução de ruído. Eu prefiro muito mais imagem ruidosa com cara de foto do que uma imagem sem ruído, mas com cara de que foi feita pintada pelo Renoir.

O processo de aprendizado no tratamento de uma astrofoto é longo. Não é raro um astrofotógrafo pegar os frames de uma captura de um ou dois anos atrás e conseguir um resultado muito superior ao que conseguiu na época da captura, mostrando técnicas de processamento muito mais eficientes e adequadas. Autores com registros psicodélicos podem mudar para um estilo mais sóbrio ao perceberem que estavam passando do ponto na hora de tratar a imagem. Neste caminho, todos cometemos enganos. O importante é entendermos que sempre podemos melhorar nosso trabalho com dedicação, melhores equipamentos e aprendizado constante, mas nunca devemos cair na tentação de fazer nossa imagem parecer melhor tendo que enganar as pessoas.